sexta-feira, 28 de março de 2008

Aniversário do Ver-o-Peso

Ontem foi o aniversário do Mercado do Ver-o-Peso, o cartão postal de Belém, escolhido como uma das maravilhas do Brasil. A origem do Ver-o-Peso: em 21 de março de 1688 (século XVII) os portugueses resolveram estabelecer um rígido controle alfandegário na Amazônia, e criaram um posto de fiscalização e tributos - a casa do Haver-o-Peso. Nela, um funcionário público mediavam as transações comerciais da época usando uma balança.Os tempos passaram e a feira, onde se vende e compra de tudo, continua sendo o mais bonito cartão postal de Belém. Em homenagem aos 381 anos do Ver-o-Peso, convido você a fazer um pequeno passeio de barco pela orla da cidade. Belém, eu te quero bem! (As fotos foram feitas pela Carol Lehm, que hoje mora em Barcelona)

quinta-feira, 27 de março de 2008

Sob o 4º Poder

Li o texto do Marcelo Freixo sugerido pela Cleodana Souza, companheira do grupo Blogs_Educativos. Freixo tem 40 anos,é educador em Niterói-RJ, ex-militante do PT e deputado estadual (PSOL-RJ) e concedeu esta entrevista ao Fazendo Media. Que você pode conferir no link ao lado.
O texto é excelente, principalmente para trabalharmos o poder da mídia, que chamam de "o 4º Poder" (há, inclusive, um filme do Costa Gravas se não me engano, com esse título), mas que para muitos já é o primeiro poder. E, na linha do post anterior, me peguei refletindo: como lutar contra esse status quo? Como combater a influência maléfica da mídia, que determina nossos gostos e paixões?
Sinceramente, não sei. Acho que no mundo contemporâneo não temos chance, pois para enfrentá-la, necessariamente fazemos uso dela. É combater fogo com fogo! Ou seja, o atacante alimenta o atacado ao atacar. Irônico, né? Penso que é tolice enfrentar o 4° Poder, mas se não posso vencer, por outro lado não significa que devo me render e, com perdão da analogia, arriar as calcas pra ele. O que faco, então?
Well, primeiro devo querer buscar a verdade. Isso não é tarefa fácil, pois sob o manto da moral e da ética tendemos a esconder nossas verdadeiras intenções, a disfarçar muito o outro ser que habita em nosso interior. Logo, dificilmente mostramo-nos como verdadeiramente somos. Evidentemente que estou falando do que chamamos Ego. Ah! Você não concorda? Tudo bem, mas seria capaz de afirmar que nunca agiu de forma preconceituosa ou injusta com alguém? Que não usou de algum tipo de violência desnecessária nalgum instante? Então, pode atirar a primeira pedra.
Querer a verdade não é ser verdadeiro, mas é estar no caminho. Ham? estou indo pelo caminho do misticismo? Desculpe.
Bem, e como identificar a verdade, se o indivíduo não desenvolveu eficientes processos metacognitivos, mecanismos de reflexão (análise, seleção e depuração) sobre a informação que recebe dos meios de comunicação? Isso é quase uma impossibilidade aristotélica. Veja-se o exemplo da jornalista Salete Lemos, âncora do Jornal da Cultura que ao vivo, durante o telejornal, mostrou o real papel dos repórteres: falou a verdade sobre a política econômica do governo e o protecionismo aos bancos privados (veja aqui o vídeo). Ela foi demitida.
Como diria Boris Casoy: Isso e' uma vergonha!
Por outro lado, como uma sociedade onde se compra/vende abertamente CDs e DVD piratas ou pagam ao guarda de trânsito para lhes retirar a multa recebida por alguma infração (pra falar do mínimo que quase todos fazemos, gente!) pode querer mudar sua realidade, reclamar de seus bandidos e de sua polícia?
Temos milhões de indivíduos que preferem um programa idiotizante feito o BBB, onde tudo que é exibido é manipulado (sei que não acontece apenas no Brasil, note bem, mas falemos dele, Ok?) e que os transforma em puros e escrachados vouyers, denominados telespectadores, os quais deixam milhões de reais nos cofres da emissora a cada semana, APENAS pra ouvir as 'pérolas intelectuais' que os participantes do BBB dizem entre si; ou perdem tempo olhando suas tolices (conheço uma pessoa que acorda de madrugada para ficar olhando os participantes do BBB pelo canal a cabo. E muitas das vezes eles estão dormindo e ela ali, olhando-os!!...), ou pior ainda, pagam para apontar aquele participante que querem que ganhe o prêmio de 1 milhão de reais (??!!!). Ja' pensaram nisso? O sujeito liga pra dizer quem ele quer que ganhe 1 milhão. E paga pra isso!!!! Como, então, lutar contra o 4º Poder e mudar para uma sociedade mais justa?
Acredito que ao propor que os alunos construam blogs e podcast na escola, e alimentem com suas próprias produções, podemos contribuir para ampliar sua cosmovisão e com isso desenvolver uma leitura mais reflexiva sobre as informações que recebem e/ou divulgam.

O texto sugerido pela Cleo me fez pensar tudo isso. Muito obrigado. PS: Mifo de verde, amarelo, azul e branco, mas não me rendo (Heheeee....)!

terça-feira, 25 de março de 2008

Ler é mais importante que estudar!

Lendo as msgs na lista do Grupo Blogs Educativos sobre uma discussão que estamos travando a respeito de leitura e ensino, me veio à lembrança uma campanha que o Ziraldo desencadeou há alguns anos (acho que fins da década de 1980), quando ele dizia que "Ler é mais importante que estudar". 
A primeira vista pode parecer estranho. Como a leitura pode ser mais importante para o aluno que o estudo?
Para muitos, ler pode ser apenas o simples ato de juntar, traduzir e entender os signos linguísticos etc, enquanto estudar pode representar algo mais significativo e complexo, como umamaneira ou forma de adquirir/construir conhecimento pela aplicação da atenção e de habilidades cognitivas e metacognitivas. Mas, se estudar é assim taõ importante, porque ler é mais? Porque tudo advém da leitura, e se vc. nao lê torna-se quase um inútil no mundo pós-moderno! Ziraldo estava certo; redondamente, hiperbolicamente, quadradamente e triangularmente certo.
A propósito de que tudo isso? Porque ontem a noite, por descuido, quebrei meus óculos. Justamente quando ia continuar a leitura do livro sobre a vida de Einstein, que ganhei da minha filha... Até pra ver um pouco de TV foi desagrádavel. Minha realidade já não é a mesma de quem não usa óculos ou de quando eu não usava esta muleta (os óculos). Convivemos no mesmo espaço e tempo, mas não na mesma realidade (Prigogine já dizia que nossa realidade não é a mesma de nossos avós, e digo que nem de nossos pais).
Não poder ler é um martírio! Eu, que sou daltônico, tenho alguma dificuldade para perceber certos matizes, mas sem óculos me vejo (Heheheee, saiu sem querer!) desamparado e quase frustrado. Não posso enxergar as minúcias das coisas circundantes, as riqueza dos detalhes que só podemos perceber de perto. De longe ainda dá, tanto que, mesmo sem os óculos dirijo sem problemas. Mas olhar as coisas a distância não é o mesmo que vê-las a 1 palmo do nariz, né? De longe tudo fica igual: um inseto, um homem, uma casa, um planeta... de longe tudo vira um ponto!
Acho que para quem não lê, é assim que o mundo se mostra, sem nitidez, sem detalhes. Sem ler é como andar pelo mundo vendo as coisas fora de foco, vendo contornos imprecisos, vultos no lugar de corpos, sombras onde queremos claridade. Sem óculos não sei distinguir se o olho que me olha ri ou chora, cala ou me agride.
Precisamos de leitura como um explorador necessita de óculos de alcance (como se dizia antigamente para as lunetas e binóculos). Mais, precisamos de telescópios. Meu reino por um telescópio! Dá-me um Hublle, por Deus!
*E hoje tive que comprar um óculos de leitura, na farmácia, só para quebrar o galho e terminar um bendito trabalho. Agora estou aqui, com a cara quase colada no monitor, cheirando a tela, piscando e parando pra descansar a vista a todo instante.

terça-feira, 18 de março de 2008

Nova biografia de Einstein

Ontem ganhei de minha filha Madaya, o livro "Einstein - sua vida, seu universo", de Walter Iaacson (Cia.das Letras, 2007. 675p).Para quem gosta de ler biografias, é um deleite. Ainda que haja tantos livros sobre o Pai da Relatividade, o que o diferencia dos outros é que ele se propõe a ser a mais completa biografia de um dos maiores ícones do sec.XX. Traz, inclusive, suas correspondências mais íntimas, expondo assim os segredos e relacionamentos amorosos do grande gênio da Física. Ah! Você pensava que os físicos teóricos, esses sujeitos malucos, não se ligavam em sexo e romance? Há, inclusive uma história que Einstein, para explicar a relatividade, fez a seguinte analogia: "Quando se segura uma bela mulher nos braços, 1 hora parece 5 minutos, mas se segurar uma panela quente por 5 minutos, parecerá que foi por 1 hora". É mais ou menos isso.

Já pensou ser capaz de penetrar na mente de Einstein, conhecer seus quereres, saber como pensava, como formulava suas idéias?... É essa a expectativa que assalta o leitor desta obra rica, que só de notas e comentários tem 100 páginas (começam na página 575). Ainda que o mote da obra seja sobre uma mente brilhante e seus frutos, o livro trata do homem sensível, rebelde e bem humorado que foi Einstein, oferecendo uma leitura empolgante, consumidora, digestiva. É o tipo de leitura envolvente, que prende o leitor. Até me fez lembrar um conto meu chamado "O Livro que Suga", que qualquer dia publicarei aqui. Li-o durante 4 horas seguidas, somente parando porque precisava dormir. Estou com ele aqui ao meu lado, me espiando trabalhar e eu olhando pra ele de soslaio. Espero o momento de retornar à sua leitura.

Ah! Para ilustrar este pequeno texto escolhi um retrato da minha filha Madaya, pois além de deixar este espaço mais interessante e bonito, o de Eistein todos já conhecem, não é?.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Sobre Bruxos&Trouxas da Tecnologia

Muito do que é ciência hoje foi considerado magia no passado, e muitos bruxos e magos de ontem são os cientistas da atualidade. Nessa perspectiva particular, a Conferência de Tecnologias Emergentes da O’Reilly Media (empresa norte-americana criadora do conceito de WEB 2.0, conforme expressa Tim O'Reilly), teve como tema a “Magia”, tanto que adotou como slogan a frase do escritor Arthur C. Clarke: “Any sufficiently advanced technology is indistinguishable from magic.” Pois bem, penso que a tecnologia da Informática e a Web parecem ter criado dois universos ou mundos que convivem sincronicamente, mas cujos indivíduos de um se distinguem por adotar comportamentos e referenciais distintos e não-perceptíveis para os cidadãos do outro. Com isso podemos traçar uma analogia com os dois mundos das histórias de bruxinho Harry Potter, com os Bruxos e os Trouxas. Mas o que tem a ver a Conferencia da O’Reilly e Harry Potter? Bem, essa relação foi apresentada pela pesquisadora Danah Boyd durante a conferência de 2007. Sua palestra foi intitulada: Incantations for Muggles: The Role of Ubiquitous Web 2.0 Technologies in Everyday Life". Seu interesse é estudar como esses jovens formulam apresentações de si mesmo e como socializam-se em contexto midiático de rede informal de aprendizagem. No evento ela fala sobre o comportamento dos jovens que vivem em comunidades virtuais, como o Orkut. É uma leitura muito interessante e recomendo. Confira em http://www.danah.org/papers/Etech2007.html

sexta-feira, 7 de março de 2008

Computadores na Educação e as bactérias resistentes

Hoje li, no site do MEC/SEED a seguinte notícia: “O Ministério da Educação dará início, a partir de abril, a um amplo programa de formação de professores e gestores da rede pública de ensino para utilização de tecnologias da informação em sala de aula. Com base na demanda já sinalizada pelos estados, a meta do Programa Nacional de Formação Continuada em Tecnologia Educacional (Proinfo Integrado) é atingir 100 mil professores e gestores somente este ano. (...) Segundo o secretário de Educação a Distância, Carlos Eduardo Bielschowsky, o programa integra um conjunto de ações voltadas para a dinamização da sala de aula. “Para garantir essa melhoria, é necessário ir além da distribuição de laboratórios de informática, oferecendo cursos aos professores e também conteúdo pedagógico adequado”, explica.” Excelente! Tudo que vier para melhorar a educação pública neste país deve ser comemorado com fogos e festa, mesmo que sejam continuações. Porém, não basta distribuir laboratórios e computadores pelas escolas, ofertar conteúdos pedagógicos e cursos de formação para professores. Se fosse assim, nestes 10 anos de ProInfo e quase 20 de informática aplicada à educação pública nacional (veja-se o Projeto Educom e Proninfe, de 1989) já deveríamos vislumbrar alguma melhoria no desempenho dos alunos e professores. Como multiplicador do ProInfo a mais de 10 anos e atuando no Núcleo de Informática Educativa-NTE de Belém-PA, tenho participado de diversos cursos de formação, desenvolvido pesquisas e projetos que visam integrar os computadores a práxis pedagógica dos professores, e posso garantir: há algo nesse processo que o Secretário Bielschowsky esqueceu de mencionar ou que desconhece. Há algo errado ou faltando para “garantir essa melhoria” que ele afirma, mas... O QUE?! Antes de prosseguir, caro leitor, gostaria que refletisse um pouco sobre essa pergunta e tentasse respondê-la. E, para ajudar na sua reflexão, vou apresentar as minhas, tomando por exemplo o ProInfo no estado do Pará, pois desconheço a situação em outros estados, porém não parece estar muito diferente da nossa. O Pará é um dos pioneiros em informática na educação, tendo iniciado em 1989. Em 1997 formou-se a primeira turma de professores com especialização em Informática Educativa (multiplicadores) do ProInfo e implantou-se 9 NTE no estado (sendo 2 na capital, um da esfera estadual e outro da municipal, conhecido por NIED). O NTE cuida de desenvolver pesquisas, formação, acompanhamento e assessoramento pedagógico aos professores lotados nas salas de informática (ou LIED) das várias escolas estaduais. Somente para o NTE de Belém cabem, atualmente, cerca de 110 escolas com laboratórios (do ProInfo, Alvorada e Promed), porém apenas 38 desses laboratórios possuem professores lotados, totalizando quase 80 professores (em todo o estado temos cerca de 180 professores lotados em LIED). Por outro lado, a 5ª fase do ProInfo entregou computadores que, em muitos casos, permanecem encaixotados a mais de um ano! Possivelmente perderam a garantia. E os laboratórios que estão montados permanecem fechados por falta de professores. Em outras escolas temos diversos problemas que impedem a ação pedagógica nos laboratórios de Informática, a saber: roubos de computadores (em alguns casos TODOS os equipamentos foram roubados), roubo da fiação externa (cabos, rede elétrica e telefônica), dificuldades com a rede elétrica, máquinas sucateadas, diversidade de sistemas operacionais (Win 98, XP e Linux num mesmo espaço), resistência de alguns professores ao uso das TIC em sua prática educativa (em minha dissertação trato disso) etc. Em relação aos cursos de Formação de Professores para lidar com a Informática, em 2003 o NTE de Belém realizou dois (02) cursos e outras ações menores, e em 2007 realizou seis (06) cursos, atendendo cerca de 300 professores. Note-se que há um hiato entre 2003 e 2007. Isso se deu por conta da política implantada nestes anos, que obrigou os professores lotados nos LIED e nos NTE a retornarem às salas de aula (como se o laboratório de informática da escola não fossem uma sala de aula; diferente da sala tradicional mas salas de aula). Essa visão política vesga ou caolha trouxe muitos prejuízos, os quais até hoje sentimos. Mas como disse um amigo multiplicador: “Somos bactérias resistentes”. E precisamos ser se quisermos que as TIC promovam melhorias na educação pública no Brasil. Agora, retomando a pergunta acima: o que falta? o que está errado? Você já tem sua resposta? Eu gostaria de conhecê-la. Poderia me dizer?

quinta-feira, 6 de março de 2008

A rica Matemática cultural do caboclo paraense

Uma das coisas que mais me chamou atenção quando cheguei ao Pará foi descobrir que aqui se compra farinha e camarão por litros. Isso mesmo! No Ver-O-Peso ou outras feiras de Belém, certos produtos como camarão e farinha são medidos em litros. Ora, considerando que o litro é usado para medir volume (geralmente de líquidos) e não massa, soa um tanto estranho a ouvidos acadêmicos quando alguém emprega essas unidades de medida não convencionais, não acha? Com o tempo fui aprendendo que existem outras unidade de medidas empregadas pelos cidadãos da paraônia, como o frasco e o paneiro, para farinha; o côfo e a pêra, para caranguejos; a lata, a rasa e o paneiro, para o açaí em caroço; a tarefa, para área roçada; a carreira, para plantação de eucalipto; a linha, para plantação de arroz; o palmo-de-pé para medir comprimento; mão-de-milho com 25 espigas etc. Descobri*, ainda, que os habitantes de regiões ribeirinhas da Amazônia, no embate entre a floresta e o rio constrem, desenvolvem e/ou se apropriam de saberes matemáticos que satisfazem plenamente suas necessidades cotidianas. De fato, o conhecimento matemático resulta das interlocuções estabelecidas pelo homem com os elementos culturais do contexto no qual é produzido. Quando assumido como linguagem, esse conhecimento torna-se um recurso fundamental no exercício de leitura da realidade, voltadas à elaboração de soluções aos problemas cotidianos na caminhada pela melhoria da qualidade de vida. Dessa forma, por conta das incontáveis relações estabelecidas pelo sujeito com as diversas estruturas presentes no sistema social, a Matemática surge como um fenômeno que se desenvolve na comunidade, pela comunidade e para a comunidade. É sabido que o processo de construção de conhecimentos é o responsável pelo pleno exercício da extraordinária capacidade sincrética e pragmática do ser humano; isto é, nossas habilidades em fundir ou amalgamar elementos distintos dando-lhes a aparência de algo inédito, como um novo conceito ou um novo objeto; seja (re)modelando ou (re)criando, seja atribuindo uma nova serventia ou finalidade àquilo que já é de uso corrente. O que acho fantástico na criatura humana é sua capacidade de interpretar a leitura do simbólico, ou seja, ser capaz de relacionar-se com o ausente (representado por um símbolo, signo ou sinal) como se lhe fosse coisa presente (essa idéia me parece pertencer a Merleau-Ponty, filósofo francês, 1908-1961). Nessa perspectiva, “a matemática se constitui em um desses exercícios cognitivos nos quais a sociedade humana se apóia para inventar e materializar realidades ‘imaginárias’, necessárias ao estabelecimento de uma conexão entre o possível e o desejado pela mente do inventor”(MENDES,2005. p.89). Em 10 anos ministrando cursos de formação de professores pelo hinterland paraense, observei e busquei explicações de como esses indivíduos lidam com o ambiente usando os instrumentos materiais e intelectuais que são próprios de sua cultura. E para mim fica claro que o cotidiano de toda e qualquer comunidade humana, desde seu alvorecer, está impregnado de Matemática como um artefato ou mentefato (D’Ambrosio, 1996), como uma ferramenta pela qual e com a qual o homem transforma o mundo e transforma a si mesmo. Nesse processo dual e cumulativo que Marx denominou de práxis, o indivíduo produz conhecimento, edifica/desenvolve sua cosmovisão - ou cosmoconcepção - tendo a linguagem como suporte e a escrita como base de sua cultura. Por outro lado estabelecer relações, fazer comparações, classificar, quantificar, mensurar etc. são práticas matemáticas imanentes à criatura humana e anteriores à sua própria escrita e fala. Para mim, o pensar matemático é, talvez, uma das formas mais complexas e complicadas do ser humano trabalhar. Nessa prática, que começa no cogitos e termina no fiat, a mente transcende as limitações da matéria física, da corporeidade e adentra planos somente possíveis aos que sabem reconhecer e interpretar os símbolos, os signos e os sinais matemáticos. Parece claro, então, que a construção do pensamento matemático é uma decorrência das necessidades de sobrevivência do ser humano. Alguém pode dizer que é a leitura e a escrita (ação individual) que introduz o cidadão num mundo cujo acesso só é possível pela linguagem, porém é o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático estruturado nas relações do sujeito com o meio (ação sociocultural) que estabelece a construção ativa de seus saberes e conhecimentos. Esses dois eixos ou enfoques foram explorados por Piaget, Vygotsky, Ausubel, Schön, J. Dewen, Paulo Freire, em teorias conhecidas como Construtivismo e Interacionismo. Quanto à escrita, o certo é que “investigações arqueológicas realizadas em diversas partes do planeta (...) têm concluído que os primeiros sistemas de escrita surgiram com a finalidade de representar aspectos cognitivos referentes ao exercício do cálculo, cobrança, divisão e distribuição da riqueza produzida e acumulada pela sociedade humana” (MENDES, op. cit. p.13); e em relação à fala, parece que o homem aprendeu a contar antes mesmo de desenvolver um sistema de comunicação inteligível e coerentemente. Referencias D'AMBROSIO, Ubiratan. Educação Matemática: da teoria à prática. Campinas, Papirus Editora. 1996. MENDES, Iran A. Números, o simbólico e o racional na História. Natal: Flecha do Tempo. 2005 *Artigo: Matemática, educação e cultura na Amazônia: um relato de práticas de etnomatemática em escolas multiseriadas na Ilha do Marajó, apresentado no I Encontro Regional das Sociedades, 2005. Belém-PA.

segunda-feira, 3 de março de 2008

A dois passos do Paraíso-Conto

Este foi escrito em dezembro de 1998, mesma época de "Sao Jorge e o Astronauta". É um dos meus primeiros contos. Espero que goste. .......................... A DOIS PASSOS DO PARAÍSO Filó acordou para o dia que seria o dia do dia mais feliz da sua vida, cantarolando um sucesso do momento: “Estou a dois passos do paraíso...”. Ainda sentada na cama, contemplou seu belo vestido de noiva montado sobre um manequim, e iluminou-se num sorriso. Os pés descalços pisaram um tapete macio, felpudo, e imaginou-se flutuando; uma sensação de conforto e prazer jamais experimentados foi subindo de mansinho pernas acima. Levantou-se e foi até a grande porta que dava para a sacada e, afastando as vaporosas cortinas de tule rosa, abriu-a em par, saindo para receber o beijo daquela cálida manhã de maio. - “... Talvez eu fique, eu fique por lá...” - continuou cantarolando. Deixou que o vento matinal, desprezando-a, fosse se divertir com as cortinas, com o véu e a grinalda e com as rendas do maravilhoso vestido branco. O Sol despontava devagarinho, preguiçoso como deve ser nos feriados. A cidade despertava para aquele 01 de maio com uma aurora tão bela que, certamente, os anjos deviam estar debruçados nas janelas do céu para admirá-la. Era feriado nacional, mas Filó, num delírio de felicidade, acreditava ser por sua causa, por causa de suas bodas. Acreditava que aquele clima de feriado fora provocado pela sua folia interior, que escapara do peito, do fundo do coração, bem lá da raiz da álma, e não cabendo na sua espaçosa suíte, explodira sobre a cidade, sobre tudo e todos; urbi et orbi. - “Estou a dois passos do paraíso...” Com um volteio gracioso de bailarina, Filó retornou para o interior da alcova, passando entre o vestido (que alisou carinhosamente) e o grande espelho de pé. As cortinas, agitadas pelo vento, pareciam envolvê-la suavemente, numa carícia, num afago de zéfiro brincalhão. Experimentou um arrepio que findou num sorriso, ao pensar que logo estaria em lua-de-mel. -“... Não sei se vou voltar...” Caminhou até o grande armário de laminado branco que ocupava toda uma parede e que era ao mesmo tempo estante e roupeiro. Pelas prateleiras, alguns livros, bichinhos de pelúcia e bibelôs de porcelana, um aparelho de som 3 em 1 e uma profusão de long plays e compactos, alguns recém lançados no hit-parade nacional e internacional. Diante de aparelho de som resolveu que devia iniciar aquele dia com um “toque de alvorada”. - O que esse despertador está fazendo aqui, sobre a tampa do aparelho de som? O relógio acusava 05:45. Em sua ansiedade, Filó acordara quinze minutos antes do despertador. Todos ainda deviam estar dormindo, pensou ela, enquanto selecionava um LP e destampava o toca-discos. Depositou a agulha cuidadosamente sobre a faixa escolhida e girou o botão de volume para a direita, até não mais poder. Sorriu. A voz de Evandro Mesquita e da Blitz explodiu dentro do quarto: “Estou a dois passos do paraíso...”. Nesse instante o despertador tocou e ela, num sobressalto, levantou-se. Os pés tatearam o chão em busca das surradas havaianas. Correu para o minúsculo banheiro, lavou o rosto, ajeitou-se diante do pequeno espelho pendurado num prego da parede e foi, correndo, preparar o café dos patrões.
No TOP BLOG 2011 ficamos entre os 100 melhores da categoria. Pode ser pouco para uns, mas para mim é motivo de orgulho e satisfação.
Sou muito grato a todos que passaram por essa rua que é meu blog e deram seu voto. Cord ad Cord Loquir Tum

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