quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Belém: 30 em 394

Em fins de fevereiro de 1980, ou seja, há praticamente 30 anos, embarquei num avião no aeroporto do Galeão - ou Aeroporto Antonio Carlos Jobim, mas naquela época Tom Jobim ainda estava bem vivo -, e desci no aeroporto de Val-de-Cãns, em Belém. Era noite. Para variar, chovia. E eu planejava passar de dois a cinco anos, no máximo!...

Quando desci não havia ninguém me esperando. Pior, eu não conhecia ninguém nem coisa alguma da cidade. Parecia Caetano, em Sampa."É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi...". Aí, bateu aquela paura: - O quéqui tô fazendo aqui, mermão? - pensei. Desejei voltar na hora, mas tal como Nilson Chaves em "Não vou sair", "eu fui que fui ficando".

Belém não tinha outdoors enfeiando a cidade. Não tinha tanta violência e assaltos. Não havia gangs fazendo arrastão, nem cheira-colas por todo lado, nem flanelinhas em todo lugar onde se estacione um carro, nem tantos camelôs ocupando as calçadas e até mesmo a rua.

Quando o sinal fechava, você parava o carro e ninguém ficava na frente com malabares ou engolindo fogo, para depois passar o chapéu; nem lhe vinham oferecer frutas, refrigerente, água mineral, CD/DVD pirata e mil outras bugingangas. Também ninguém entrava nos ônibus para distribuir pedaços de papel com um pequeno texto (manuscrito ou digitado) pedindo ajuda, ou com aquela ladainha monocórdia e decorada: "Eu podia estar roubando...mas estou aqui pedindo...".

Embora as ruas asfaltadas não fossem das melhores, andar de carro ou ônibus era tranquilo. Não havia os engarrafamentos de final de tarde na Almirante Barroso. Não havia essa mania idiota de certos sujeitos de equiparem seus carros com poderosos sistemas de som, e depois dirigir pela cidade no volume máximo, ou estacionar nalgum canto e desrespeitar o sossego alheio a qualquer hora, com um som acima de 100 db e uma música de pésima qualidade.

Também mudei nesses 30 anos. Perdi um pouco de cabelo e os que ficaram se agrisalham lentamente. Ganhei algumas gordurinhas localizadas, rugas, cicatrizes. Belém também ganhou as suas, nesses 394 anos completados hoje, 12 de janeiro de 2010.

Quando cheguei era solteiro e meio que perdidaço, aventurando sonhos. Trazia de meu apenas uma mala de roupas, uma maleta com livros didáticos e um violão velho, no qual tocava não mais que duas dezenas de músicas. Hoje, esqueci as músicas que sabia, tenho 3 filhos (Madaya, Arcthur e Keith) e dois enteados (Victor e Amanda, que é minha caçulinha querida), e encontrei, no terceiro casamento, Lenise, a mulher das minhas vidas (passadas e futuras).

Já escrevi um livro, plantei árvores, tive filhos. Pouco acrescentei ao meu patrimônio material original, mas em compensação me sinto realizado e feliz.

Belém envelheceu, enfeiou? Não, apenas mudou. Nos seus 394 ela  me deu, até agora, seus melhores 30 anos. O que me reservará nos próximos?

Eu te saúdo, Cidade das Mangueiras! Te parabenizo, Bela Belém! E te agradeço, por me acolher e me permitir encontrar-me e ser feliz nessas tuas ruas.

8 comentários:

Rocio Rodi disse...

Bela declaração de amor que se estende ao que lhe é mais significativo hoje. Vim para cá onze anos depois e na mesma situação. Neste janeiro tenho algo importante a comemorar. São trinta anos de uma história de amor bem vivida com meu esposo. E como você o desejo desta intensidade para mais adiante. Estamos juntos aqui há 19 anos e assistimos muitas mudanças e daqui olhamos o mundo em suas tantas outras. A que mais nos espanta é olhar daqui as chuvas devastando por lá. Terremotos mais acima. Os rio secando há um tempo no Amazonas. As tartarugas comendo sacolas plásticas. E daí, vamos ficar aqui a nos dizer sobre o que "vai passar nessa avenida"? Pelo amor este é um apelo a todos nós!
Maria do Rocio

esteblogminharua disse...

Oi, Rocio. Obrigado pela visita. Belém, como toda metrópole quatrocentona, tem carradas de problemas, como cicatrizes profundas. Mas a pior das suas cicatrizes e feridas são as pessoas que não as ama, que não cuidam delas.
Quem ama sua cidade, busca preservar seus patrimônios históricos, cultural e artísticos, não suja suas ruas,evita pisar na grama e poluir, depredar, congestionar o trânsito, desperdiçar água e luz etc.
Ah! Recomendo a canção "O Meu País", na voz de Zé Ramalho. Ouça e entenderás.

Martoni disse...

Oi Franz, texto bonito. Eu cheguei em Belém em 1973 na semana antes do Cirio de Nazaré. No meu primeiro domingo pedi um adiantamento e fui ver o Cirio. Botei meu dinheiro no bolso da minha calça, não percebi nada mas quando cheguei na Churrascaría Real discobri que fui roubado. Logo na semana seguinte minha foto saiu no Liberal porque o "Sete Buchos" que tinha matado um motorista de taxi se escondeu como dizia o jornal "nas matas da Pirelli" em Marituba e era exatamente lá que eu encontrei meu primeiro emprego.
E aí vai. Mas posso dizer que depois nunca mais tive problemas, só tenho lembranças boas do nosso Belém

Um abraço, Martoni

esteblogminharua disse...

Caro amigo Martoni, desculpe, mas ri um bocado com sua sorte no primeiro dia de Círio. Mas fico contente por vc ter encontrado a felicidade aqui, nessa terra onde eu tb me encontrei e me realizei como profissional, como pai, como marido, como amigo e como cidadão.
Entre 1988 e 2007 trabalhei em Marituba, no CTRH, quase na entrada da estrada da Pirelli. Acho que deves ter conhecido.
Obrigado pela visita e um beijo na Zely
Franz

Adinalzir disse...

Caro Franz

Eu nunca estive em Belem. Mas confesso que muito me tocou o seu belo texto, carregado de amor e sutileza para com a cidade que te acolheu.

Infelizmente aqui no Rio de Janeiro, também sofremos os mesmos problemas e temos muitas pessoas que não amam nossa cidade. Inclusive, muitos de nossos próprios politicos...

Abraços, :-)

Anônimo disse...

É Flangi...é o tal negócio,criticamos o que falta melhorar em Belém e pior,o que supomos que talvez nunca melhore...eu sou suspeita para falar.Todavia, é nessa terra que ganhamos nosso pão de cada dia.Onde uns se criam,onde outros se despedem,onde uns escolhem viver e outros são escolhidos (se é que assim podemos dizer).Enfim,com todos os prós e contras eu só sei que por hora é aqui que vou ficando (espero que não seja por mandinga de pai RISOS - nem de mãe nem de namorado),ganhando o rico dinheirinho a custas de muita labuta,estudo e dedicação.
Bjs dad!
Madaya.

esteblogminharua disse...

Amigo Adinalzir. Eu costumava dizer aos meus alunos, com certo humor, que era mais paraenses que eles, porque a havia escolhido, enquanto eles nasceram.
Em todo canto encontraremos os que ama sua terra e os que apenas querem explorá-la. Compete a gente escolher um dos lado e dar exemplo. Sei que vc é um dos que, como eu, ama a terra que o acolheu.
Abraços do amigo
Ah! quando quiser vir a Belem, garanto que térás um canto para acolhe-lo.

esteblogminharua disse...

Oi, my Princes!
Vc sabe que uma das coisas mais maravilhosas que Belem me deu foi vc. E se mais nada me tivesse dado, eu já teria toda a eternidade para agradecer.
Bjd do seu velho

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