sexta-feira, 18 de setembro de 2009

DORMI E ACORDEI NOUTRO LUGAR...

Essa postagem faz parte da blogagem coletiva para o mês de setembro de 2009, proposta pelo Blog VOU DE COLETIVO, cujo tema é "Dormir aqui e amanhecer em outro lugar".
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DORMI E ACORDEI NOUTRO LUGAR...

Em casa as coisas corriam normalmente, mas eu sentia que algo estava se armando. Os sinais eram claros, embora eu ainda não os compreendesse perfeitamente. Havia uma espécie de tensão no ar, uma preocupação em meus pais que eu nunca sentira antes. Normalmente tão calmos, eles, de súbito, ficaram nervosos. E eu sabia que era por minha causa...

Desde que voltamos do médico minha mãe parecia mais preocupada comigo. Quando estávamos a sós percebia que ela ficava me observando, me estudando. Era como se me vigiasse. Disfarçadamente,também, a observava, silencioso. Minha impressão era que ela esperava que eu fizesse algo estranho a qualquer momento, que lhe desse um susto, pregasse uma peça qualquer. Logo eu, que sempre fui tão comportado. Será que agora metia medo em minha mãe?

Confesso que, ultimamente, eu estava passando por uma fase perturbadora, a qual não saberia descrever. Meu sono se tornara mais agitado, meus sonhos me assustavam. Pesadelos horríveis me assombravam. Nelguns eu era expulso de meu lar e condenado a sofrer num mundo adverso, sem proteção, sem segurança, sem conforto. Muitas vezes acordei minha mãe com meus gritos de medo e susto. Ela também se assustava, ficava preocupada com o que estivesse passando comigo. Contudo, mesmo que permanecesse intrigada com minhas súbitas agitações, seu jeito carinhoso e sua voz meiga domavam meus temores, restauravam minha tranquilidade, me acalmavam. Sempre.

As vezes ela falava comigo quando pensava que eu estava adormecido. Então eu ouvia sua voz soando longe, vinda lá do fundo de não sei onde. Nesses momentos eu ficava mais imóvel, concentrado nas suas palavras, na sonoridade de sua voz. Era capaz até de sentir o ‘cheiro’ daquela voz.

Naquele dia de outubro, eu senti que algo especial estava por vir. Podem dizer que era intuição, sexto sentido, premonição, sei lá. O fato é que eu sabia que algo iria acontecer, e isso mudaria tudo, mas tudo mesmo, na minha vida. A agitação de minha mãe e o nervosismo de meu pai só me levavam a confirmar minhas suspeitas: eles preparavam algo para mim. Pelo que entendi, me levariam para algum lugar. E, sinceramente, eu não desejava ir. Tentei dizer-lhes que estava tudo bem comigo, que não se preocupassem, mas eles não me deram ouvidos.

Tudo que eu queria era continuar no meu cantinho, mas a tensão reinante em casa foi num crescendo e acabou desabando sobre mim. Eu experimentava um misto de temor, de medo, de desespero, até que uma angústia profunda se apossou de minha alma O que meus pais iriam fazer comigo? A simples idéia me assustava terrivelmente. O que foi que eu fiz para, derrepente, me desagasalharem assim?

Busquei ajuda com alguns amigos que meus pais não conheciam. Aliás, eu nem poderia apresentá-los, mas posso garantir que sempre foram muito legais comigo. Compreendiam o que eu estava sentindo, me consolaram dizendo que era uma sensação normal nesses casos, que depois eu nem me lembraria dessa experiência traumática, que isso, que aquilo. Estiveram ao meu lado e me ajudaram a suportar o sofrimento e a dor daquele dia, e eu também sabia que por algum tempo iriam estar comigo.

Fui levado entre gritos, e em meio a tantos gritos ninguém escutava os meus. Meu pai praguejava, nervoso porque não encontrava a chave do carro; minha mãe gritava, apressando meu pai; minha avó tentava acalmar ambos, mas também estava contaminada pelo nervosismo geral. Meu avô chegou naquele instante e veio falar comigo. E ai, garotão? – disse-me ele. Enfim alguém me notava no meio daquela balbúrdia toda. Isso me trouxe um pouco de conforto, logo dissipado quando minha mãe afastou-o dizendo que já não aguentava mais.

Minha mãe, a pessoa que eu mais confiava, parecia querer me abandonar. Eu já não sentia mais o conforto de sua voz, nem seu carinho. Ela era apenas um monte de nervos em agonia. Pude perceber que ela estrava sofrendo profundamente. Havia dor no seu rosto, nos seus olhos, na sua voz. E tudo isso me atingia diretamente. Era como se eu também sentisse o mesmo que ela. Mas tarde alguém me diria que o nome disso é “empatia”, a tendência de sentir o que outra pessoa sente.

Momentâneamente, me esqueceram e se concentraram em minha mãe - acho que ela estava pior do que eu -. Levaram-na a um médico, que lhe deu um sedativo. E eu? A mim ninguém dava nada? Eu esteva ficando cansado de tudo. Queria dormir e acordar achando que tudo não passara de um sonho mau. Mas, enquanto minha mãe se acalmava um pouco, um turbilhão de sensações me envolvia, e fui tragado por ele. Parecia que eu nadava numa piscina quando, de repente, tiraram a tampa de um enorme escoadouro no fundo e a água, em redemoinho, me puxava para baixo. Eu lutava para subir, mas uma força maior me empurrava para o fundo. Cheguei a pensar que iria morrer naquele instante, ou que já estivesse morrendo.

Senti meu corpo sendo comprimido, esmagado. Eu resistia, mas meu esforço era inútil contra forças tão poderosas. Minha cabeça começou a doer mais que o resto do corpo. Latejava. Senti enjôo, tonturas. Em seguida outra parte começou a doer mais fortemente. Era no peito. Algo como se uma criatura viva estivesse varando a carne para sair. A dor me fez chorar, e meu choro contagiou a todos. Imediatamente, uma onda de ternura me envolveu. Senti aconchego,calor, afeto, carinho, amor...

Exausto, adormeci.

Quando acordei estava num lugar que nunca vira antes, cercado de pessoas e coisas estranhas. Naquele mundo esquisito uma coisa, uma única coisa permanecia minha velha conhecida: o cheiro da voz de minha mãe. Ela me pegou com infinita doçura, me colocou no seu colo e uma paz profunda me invadiu quando ouvi "Seja bem vindo, meu filho". Então, pela primeira vez, suguei o leito do seu peito.

7 comentários:

Teresa Diniz disse...

Que linda história. Confesso que não esperava o final, não sei bem o que esperava, na verdade. Mas fez-me vir lágrimas aos olhos.
Não conhecia o seu blogue. Parabéns pelas palavras que aqui coloca.

angela disse...

Um lindo conto, criativo, bem escrito, emocionante. Gostei bastante
beijos

Alfabetização em Foco disse...

Muito bom, quantas antecipações a gente faz durante a leitura e o final surpreende...

Mais uma boa postagem desse blogueiro que nos inspira.

Boa Franz...

Abraços

Nade T. disse...

Franz, de todas, a tua participação é a mais bela de tão detalhada e tão semelhante a de todos...
Que imaginação, heim, amigo! Narrar o momento do nascer aqui neste plano, da maneira como fizeste, fez com eu também ficasse lacrimejando, tal como a Teresa...
Lindo o conto! Belíssima participação no Vou de Coletivo!
Ah, linkei em meu blog os blogs paraenses... Claro que o teu está lá!
Bjs

M. Nilza disse...

Puxa...

Foi buscar inspiração bem longe hein? Muito bom seu conto.
Virei mais vezes
Beijos

Fernando disse...

“Bem longe” é onde sempre nos leva a nossa imaginação.
Tudo é possível... nada é certeza!
Muita critividade!

Dani Benaion disse...

um selo para seu blog. VC merece

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